POR QUE NÃO ACREDITO NEM NA PREDESTINAÇÃO NEM NO LIVRE-ARBÍTRIO



Autor: THALYSSON DE MOURA

“mesmo que Ele seja presciente, algo depende de nossa vontade” (Agostinho de Hipona)

1.     INTRODUÇÃO
A divergência entre essas duas falsas doutrinas, Predestinação e Livre-arbítrio, é um problema insolúvel e, se ficarmos optando entre uma e outra, caminharemos em círculos voltando sempre ao mesmo lugar. Os adeptos de uma e da outra se digladiam há séculos tentando mostrar que estão certos e os oponentes errados, porém sem solução. O máximo que conseguem é demonstrar, com razão, que o outro lado está errado. Cada um reafirmando cada vez mais os erros do outro, como se pela força do erro do oponente a sua doutrina contrária fosse validada; e isso é um erro de lógica absurdo. É como se dois oponentes discutissem entre si sobre o resultado da soma 2 + 2, um dizendo ser 5 e o outro dizendo ser 3. Querem validar sua resposta afirmando que o oponente está errado e, provando por diversos meios o erro do outro, desejam que sua resposta esteja correta. Mas provar o erro do adversário não significa que sua afirmação seja verdadeira; é isso que estão fazendo os defensores das duas teorias; ambos estão certos no que negam e errados no que afirmam.
Seus erros podem ser comparados apenas relativamente, ou seja, erro maior e erro menor. Batalham entre si para ver qual dos dois está menos errado. Essa é a única verdade que vejo no debate Predestinação vs Livre-arbítrio. Como já dizia o fundador da Ciência das Religiões Comparadas, Frithjof Schuon:
“A diferença entre dois erros será sempre relativa, pelo menos sob o aspecto de sua falsidade, um sendo simplesmente mais falso - ou menos falso - que o outro; a diferença entre o erro e a verdade, ao contrário, será absoluta” [2, p. 102].

Há alguma verdade em estado patente ou a ser encontrada, nesse caso a diferença entre ela e tais doutrinas supracitadas será absoluta. A Predestinação e o Livre-arbítrio serão contraditórias a tal teoria. Uma teoria importante que almeja solucionar tal discussão pueril é a Teoria das Ramificações Contingentes explicada no artigo: TEORIA DAS RAMIFICAÇÕES CONTINGENTES: Refutando as Doutrinas da Predestinação e do Livre-Arbítrio.
Ambas as doutrinas devem ser abandonadas pela sua falsidade. São duas doutrinas absurdas que caem frente à verdade bíblica e à realidade. As duas estão mergulhadas em oceanos de contradições bíblicas e lógicas contrárias à própria estrutura da realidade. Como ousam querer usurpar ilegitimamente um papel importante no ramo da Soteriologia?
A força desse debate reside numa queda vertiginosa da intelectualidade, como já explicava Karl Kraus: “Quando o sol da cultura baixa no horizonte, os anões começam a projetar sombras muito grandes”. A predestinação e o livre-arbítrio são anões que projetam grandes sombras que nos atormentam por causa da fragilidade da intelectualidade cristã desde a Reforma Protestante. A primeira delas limita a onisciência de Deus, enquanto a segunda superestima a liberdade do homem. São erros inadmissíveis para um estudioso sério de Teologia.

2.     CONTRÁRIOS E CONTRADITÓRIOS
Veremos agora uma exposição sobre a diferença entre contrários e contraditórios, sabendo que as doutrinas Predestinação e Livre-arbítrio formam um par de contrários.
Veremos também que seus contraditórios podem ser ambos verdadeiros e que uma doutrina contraditória a ambas é possível de ser formulada.

2.1.  Contrários
As duas doutrinas, Predestinação e Livre-arbítrio, são contrárias entre si.
É sabido, desde a antiguidade, e corroborado pelas obras de Aristóteles que há duas possibilidades para dois contrários: ou um é verdadeiro e o outro é falso ou são ambos falsos, simultaneamente. Isso acontece porque entre dois contrários podem haver intermediários que não são uma coisa nem outra.
Já no caso de contraditórios só existe uma opção: um é verdadeiro e o outro é falso necessariamente, simultaneamente.
Vejamos alguns exemplos das obras de Aristóteles relacionando-os com o problema Predestinação vs Livre-arbítrio:

No livro Da Interpretação, Aristóteles afirma: “Todo homem é branco ou Todo homem é justo é o contrário, e não o contraditório, de Nenhum homem é branco ou Nenhum homem é justo” [3, p. 87, grifo meu].
Podemos expressar o problema Predestinação e Livre-arbítrio, como dois contrários:

“Supondo que estabeleçamos duas proposições, uma afirmativa e uma negativa, ambas universais na sua forma e tendo por sujeito um universal, temos duas proposições contrárias” [3, p.86].

Livre-arbítrio: Todo homem é livre para escolher a salvação ou condenação.
Predestinação: Todo homem é predestinado a escolher a salvação ou condenação.
O termo livre é contrário a predestinado, no contexto do debate em questão. São dois opostos extremos, pois ser livre para escolher entre salvação e condenação é contrário a ser predestinado a escolher entre salvação e condenação. Podemos expressar o ser livre como não ser predestinado e o ser predestinado como o não ser livre.
“Tratando-se de contrários, notamos que ambos [na sua oposição] não podem ser ao mesmo tempo verdadeiros. Não obstante, seus contraditórios às vezes são ambos verdadeiros, ainda que o seu sujeito seja uno e o mesmo.” [3, p. 87, grifo meu].

2.2. Contraditórios
Então percebemos que os contraditórios de dois contrários podem ser ambos verdadeiros.
“Chamo de opostos contraditórios a uma afirmação e uma negação quando aquilo que uma indica universalmente, a outra indica não universalmente.
Exemplos:
Todo homem é branco se opões a Algum homem não é branco
Nenhum homem é branco se opõe a Algum homem é branco
[...]
Algum homem não é branco e Algum homem é branco são proposições verdadeiras” [3, p.87, grifo meu].

Vejamos a aplicação dessa regra lógica nos problema Predestinação e Livre-arbítrio:
Os Contraditórios de:

  • Livre-Arbítrio - Algum homem não é livre para escolher a salvação ou a condenação;
  • Predestinação - Algum homem não está predestinado para escolher a salvação ou a condenação.
  
“E quanto às proposições contraditórias sobre universais que apresentam sujeito universal, também necessariamente uma é verdadeira e a outra, falsa” [3, p.89].

A Predestinação e o seu contraditório (que pode ser expresso por uma negação) são hipóteses excludentes. Se uma for verdadeira a outra é necessariamente falsa. A Predestinação e a Não-Predestinação não podem ser ambas verdadeiras nem ambas falsas, simultaneamente.
O Livre-Arbírtiro e o seu contraditório, ou sua negação, são excludentes entre si. Se um for verdadeiro o outro é necessariamente falso. O Livre-Arbítrio e o Não-Livre-Arbítrio não podem ser ambos verdadeiros nem ambos falsos, simultaneamente.

2.3. Problema a ser solucionado
Os contraditórios das duas doutrinas contrárias não são excludentes entre si, ambos podem ser verdadeiros. A Não-Predestinação e o Não-Livre-Arbítrio podem coexistir mutuamente. Portanto pode haver uma doutrina intermediária entre esses dois extremos sem nenhuma objeção.
Por que devemos escolher entre duas doutrinas contrárias patentemente erradas? Dois contrários podem ser ambos falsos, como já foi demonstrado por Aristóteles, no Tópicos e no Da Intepretação .
Então devemos procurar outros itinerários, outras hipóteses sobre o entendimento soteriológico,  sobre a vontade do homem e a presciência divina.
Ao tratar desse problema não devemos nem sequer cogitar em escolher uma doutrina que seja uma mistura das duas, pois a mistura de dois grandes erros incorre num erro ainda maior. Devemos procurar outra coisa totalmente diferente, algo que corresponda à realidade dos fatos e não contradiga as Escrituras Sagradas. Uma hipótese plausível para solucionar esse problema é a Teoria das Ramificações contingentes, disponível no artigo: TEORIA DAS RAMIFICAÇÕES CONTINGENTES: Refutando as Doutrinas da Predestinação e do Livre-Arbítrio.

3.      A INVIABILIDADE DO LIVRE-ARBÍTRIO
Santo Agostinho, nos primeiros séculos da Igreja, já falava sobre a limitação do Livre-arbítrio, fala ele que a nossa vontade depende de vontades mais poderosas; de Deus ou de outros homens [4, p. 235].
A doutrina do Livre-arbítrio é inviável porque hipertrofia a ideia de liberdade humana para a salvação. Sabemos decerto que o homem tem de escolher o caminho que deve seguir, “a morte ou a vida, a bênção ou a maldição” (Dt.30:19) e que nos é aconselhado escolher a vida. A nós foram dadas duas opções: a porta e o caminho estreitos ou largos (Mt.7:13,14). Não existem meios-termos. Mas chegar ao ponto de afirmar que tais escolhas são totalmente livres é uma presunção e um erro interpretativo absurdo.
Não somos totalmente livres de maneira nenhuma. Todas as nossas escolhas têm certo teor de influências externas e/ou internas.
Jacó Armínio afirma que o nosso Livre-arbítrio nos torna livres de influências tanto externas quanto internas [5, p. 471], vejamos se isso é verdade.

3.1.  Influências Externas
Como influências externas, temos o meio social em que vivemos. Desde que nascemos recebemos muitas influências do meio que nos acompanharão pelo resto da vida, como alimentares, hormonais, educacionais, afetivas, culturais, entre outras.
Nossos pais e familiares nos dão um alicerce para a formação de nossa personalidade, que vem a ser complementada, com o tempo, pela escola, por amigos, por instituições sociais ou religiosas, pela mídia, por filmes, novelas, livros, músicas, etc. Recebemos de toda essa complexa amalgama muitas influências positivas e negativas, tanto aquelas que nos direcionam para o Céu quanto as que nos afastam dele. Não somos livres de influências externas de maneira alguma.
Já argumentava St. Agostinho sobre a limitação dessa liberdade:
“Pertence-nos, pois, a vontade e ela mesma faz tudo quanto, querendo, fazemos, o que não se faria, se não quiséssemos. Contudo, no  que contra seu próprio querer cada indivíduo padece por vontades de outros homens” [4, p. 235, grifo meu]. Sofremos até influências de outros homens sobre a nossa vida.

3.2.  Influências Internas
Como influências internas, podemos citar as nossas próprias tendências ou desejos internos que não dependem do nosso próprio querer, que aparecem sem serem solicitados, muitas vezes até contra a nossa própria vontade. Fazem parte destas categorias os pensamentos e comportamentos herdados de nossos ancestrais, como demonstrado pelo psiquiatra austríaco Leopold Szondi: os nossos ancestrais estão dentro de nós, lutando entre si para que o imitemos, é o chamado carma familiar.
Até hormônios, ou excesso ou falta de nutrientes, são influências externas que podem afetar nossos estados psicológicos internos. Os estados físico, intelectual ou psicológico, etc, todos, encadeados numa teia, influenciam nossos destinos eternos.
Existe também uma luta interna constante entre a carne e o espírtito. O espírito militando contra a carne dentro de nós, o primeiro nos atraindo a Deus e a segunda nos afastando dEle (Gl.5:16-26).
Embora não sejamos totalmente coagidos para um lado ou para o outro, não somos totalmente livres para decidir qual caminho escolher, existem muitos fatores de atração tanto para um lado quanto para o outro, porém não de imposição.
Existe uma Lei escrita no nosso coração, na nossa mente e na nossa consciência que até os que não conhecem a Lei formal de Deus praticam e os que conhecem não praticam (Rm.2:11-16). E de outro modo, existe uma tendência pecaminosa em nós que não depende da nossa vontade, como afirma o Apóstolo Paulo em (Rm7). Quando queria fazer o bem o mal já praticava. O Apóstolo nos revela que ele não era totalmente livre para servir a Deus plenamente, existiam influências internas que o impediam de fazê-lo.
Para um estudo mais completo leia o artigo: LIVRE-ARBÍTRIO: OS ERROS DE ARMÍNIO.

4.     A INVIABILIDADE DA PREDESTINAÇÃO
A doutrina da predestinação limita a onisciência de Deus e contradiz diversos textos bíblicos de forma patente.
Imaginar que Deus só conhece uma possibilidade de vida para cada ser humano é um erro pueril. Deus dotou o homem com vontade, e um ser dotado de vontade tem por definição uma infinidade de possibilidades de itinerários de vida, como descreve a Teoria das Ramificações Contingentes. Ver artigo: TEORIA DAS RAMIFICAÇÕES CONTINGENTES: Refutando as Doutrinas da Predestinação e do Livre-Arbítrio.
Jesus é o Logos Divino e, portanto, é Ele próprio a Possibilidade Universal. No Logos, Verbo, Palavra, Inteligência, Lógica e Consciência Divinos, estão contidos não apenas o conhecimento de vidas humanas linearmente definidas, em um caminho predeterminado desde a eternidade, mas todas as ilimitadas possibilidades de vida, assim como todas as ilimitadas possibilidades de mundos e universos, como previstos na Teoria Quântica dos Infinitos Universos. Todos os “infinitos” universos estão inscritos na Consciência Divina (ou Logos Divino). Não apenas as ilimitadas possibilidades, como também as ilimitadas impossibilidades. Por exemplo, em determinado ponto de nossas vidas podemos fazer muitas coisas, correr, ficar parado, falar, etc. Mas não podemos sair voando, isso é uma das ilimitadas impossibilidades do ser humano.
Todas as ilimitadas possibilidades de vida estão contidas no Logos como potências (no sentido aristotélico do termo) e apenas algumas delas irão se atualizar. Para um estudo completo ler artigo: TEORIA DAS RAMIFICAÇÕES CONTINGENTES: Refutando as Doutrinas da Predestinação e do Livre-Arbítrio.. Para resumir, Deus conhece todas as ilimitadas possibilidades de sermos salvos ou condenados, com suas respectivas impossibilidades. Por exemplo, em determinado ponto da vida, não podemos estar salvos e condenados simultaneamente, isso também é uma das ilimitadas impossibilidades.
 Aquela potência que se atualiza no mundo real se atualiza simultaneamente em Deus. Portanto, Deus não é um “adivinho” de uma condenação ou salvação individual, mas as duas potências estão presentes em cada indivíduo em particular de ilimitadas maneiras, necessitando apenas de atualização no mundo real e, portanto, na Consciência Divina. Deus não prevê os acontecimentos da vida humana, ele os conhece no momento em que ocorrem, pois se atualizaram da possibilidade universal, portanto do Logos.
Nas Escrituras também estão documentados diversos exemplos de possibilidades de uma pessoa perder ou adquirir a Salvação. Para ver tais exemplos confira o artigo: POR QUE NÃO CREIO NA DOUTRINA CALVINISTA DA PREDESTINAÇÃO.
Se até um ser humano é capaz de planejar e prever vários itinerários possíveis, como por exemplo, planejar um futuro acadêmico ou profissional com suas dificuldades ou promissores auspícios, quanto mais Deus. O ser humano tem consciência de algumas ramificações de contingências em seu cotidiano, podendo escolher entre algumas e outras não. O que diremos de Deus? Será que Ele não tem consciência muito maior do que nós? Deus seria mais burro e limitado do que o ser humano? A Doutrina da Predestinação implica numa consciência divina inferior à consciência humana.
Se até a Mecânica Quântica prevê a possibilidade de “infinitos universos”, quanto mais Deus não conheceria tais “infinitos universos” e muitos outros. Mas a Doutrina da Predestinação limita a onisciência divina a uma consciência subumana, e não apenas subumana, mas também subanimal, pois até os animais têm essa capacidade de consciência de várias possibilidades, como por exemplo, um gato que almeja dar um salto difícil e hesita em executá-lo. O que ele fez foi tomar consciência de algumas possibilidades do salto, uma é a queda ou falha, outra o êxito, entre outras consciências de fatos acidentais contingentes. Crer na predestinação é crer que Deus tem uma consciência inferior a de um gato.

5.     CONCLUSÃO
A conclusão que tiramos é que a Predestinação e o Livre-arbítrio são doutrinas contrárias, ou seja, dois extremos absurdos que devem ser abandonados, pois não correspondem à realidade e muito menos às Sagradas Escrituras.
A doutrina da Predestinação limita a onisciência de Deus ao conhecimento linear dos acontecimentos tais como ocorreram, ocorrem ou ocorrerão. Ao passo que o Logos Divino conhece não apenas o que acontece ou o que acontecerá, mas conhece as ilimitadas possibilidades de acontecimentos contingentes com todas as suas complexidades e também as ilimitadas impossibilidades.
Na pretensão pueril de afirmar a onisciência divina, a Predestinação leva um golpe de judô, sofrendo um ippon, caindo de costas no chão. Em vez de afirmar, limita a onisciência divina a uma consciência subumana.

BIBLIOGRAFIA

[1] Bíblia Sagrada

[2] SCHUON , Frithjof. A unidade transcendente das religiões. Tradução: Alberto Vasconsellos Queiroz e Mateus Soares de Azevedo. São Paulo, SP: IEGET, 2011.

[3] ARISTÓTELES (384-322 a.C.). Órganon: Categorias, Da interpretação, Analíticos anteriores, Analíticos posteriores, Tópicos, Refutações sofísticas. Tradução: Edson Bini. Bauru, SP: Edipro, 2 ed., 2010.

[4] St. AGOSTINHO. A cidade de Deus: (contra os pagãos) parte I. Tradução de: Oscar Paes Leme. Bragança Paulistana, SP: Editora Universitária São Francisco, 2012.

[5] ARMÍNIO, Jacó. As obras de Armínio. Vol. 1. 2. ed.  Traduzido por: Degmar Ribas. Rio de Janeiro: CPAD, 2015.

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