CRÔNICAS
DO VALE
1
– BREVE PREÂBULO
Se te encontras ocioso, caro leitor, não
tens nada a fazer, ou se ainda preferes esquivar-te dos serviços domésticos,
como é de fato minha atitude corriqueira, convido-te a ler esta breve crônica.
Vale de Bênção, terra n’outrora
esquecida pelos deuses e pelo Diabo, inóspita e lânguida habitação de eremitas.
Sem água potável, sem energia elétrica, mas havia ali um caluje para salvar-lhe
a dignidade. Local seco no verão e açoitado por tempestades repletas de raios e
ventanias no inverno.
Forjado foi durante anos pelo fogo do
tempo e o martelo do pesado trabalho numa lenta metamorfose, como as penhas das
montanhas são esculpidas pelas águas e pelos ventos, tornando-se um lugar agradável
e acolhedor, atraindo assim o deleite dos ociosos e desocupados, como eu, que
lá se reunem para suas recreações.
Conheçamos algumas das ilustres
personagens que abrilhantarão essas crônicas com suas épicas façanhas
hilariantes:
Lá habita Padilha, que mais parece um trator de esteira no trabalho,
equiparando-se ao gigante Atlas carregando as esferas celestes nos ombros.
Quisera ele ter cem braços como outro gigante, Briareu, para aumentar-lhe a
produção. De semblante carrancudo no mister, porém de alegria sem par nas
folganças e conversações supérfluas.
Pierre
é o bazófio, blasonador nato em feitos futebolísticos, caçadas, investidas
romanescas e outras coisas mais que lhe elevam a condição subjetiva de magnânima
virilidade. Austero é ele nas obrigações como um valente soldado de guerra.
Bié, cujo nome se assemelha a um balido de ovelha, é calmo, ponderado e vive mergulhado na Nirvana, brando como um lago sem vento, prestimoso em seu
caráter. Natural é para ele a arte do obséquio altruísta.
Cacheado
é aquele cujas tendências românticas para imaginar coisas conduziram-no ao platônico
mundo das ideias. A loucura lhe é tão natural que se mescla aos mais perfeitos
siso e ponderação.
O patriarca, Brabâncio, homem sisudo, de voz grave e áspera, mas que se lhe
esvai o duro semblante quando pensa em suas ovelhas que lhes são sagradas. A
mínima perturbação em seu aprisco lhe tira o sono.
Sarraceno,
com sua mania de ser inventor, construiu uma bomba, detonando-a ao sopé das
montanhas que quase sucumbiram com a implosão. Estilhaços quase lhe furtaram a
vida que mais tarde mostrou-se-lhe tão preciosa. Amante da ociosidade, embusteiro
nos afazeres, descobriu a vocação no deleite dos Clássicos da Literatura, onde
mergulha numa circunspecção quase catatônica.
Dona
Mônica é a pacata matriarca, que vive imersa em constantes
orações para que Deus livre seus filhos da gigantesca balbúrdia que compõe o intricado
enredo de suas vidas.
Outras personagens curiosas comporão
histórias futuras, como Xaguinha, o
homem que queria pular dentro de uma fogueira; e o Alah cujo nome se deve a um episódio anedótico que irritou
sobremodo sua mãe que escolhera para nome do filho Wallace, mas seu pai não sabia pronunciá-lo e quando comunicou ao
escrivão, que era meio surdo, este entendeu Alah
e por isso tem ele esse nome tão estranho.
Finda-se assim o introito das Crônicas
do Vale cuja interpretação tem de levar em conta os criptônimos cosidos nas
teias de seu brando tecido. Aventuras e desventuras nos esperam no desenlace
dessas Crônicas.
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