Crônicas do Vale - 3
UM LIVRO MUITO LOUCO
Este texto não almeja ser um libelo, antes
sim um panegírico ao fausto Opúsculo jamais acabado de nosso preclaro amigo Cacheado. Advirto-te, caro leitor, se
não suportas coisas loucas e intricadas, para imediatamente de ler esta Crônica
e procura outra coisa a fazer, assistir um vídeo engraçado talvez, ou
deleitar-te nalgum joguinho da internet. Minha intenção não é proporcionar-lhe uma leitura fácil e divertida, mas descrever com exatidão, de forma sucinta, porém acurada, as riquezas do pensamento do grande filósofo do Vale.
Cacheado,
como já dissemos é dado a extremos, ora planando sobre as excelsas alturas da
inteligência humana com suas leituras infindáveis de Homero, Aristóteles,
Platão, Shakespeare, Dante, Goethe, Cervantes, Victor Hugo, Camões e outros
gigantes da literatura e da filosofia; ora mergulhado nas profundezas abissais
da sandice. Certa feita reunimo-nos para tomar café, tendo por teto as
estrelas, e parolar sobre esparsas ideias que geralmente nos conduzem, como um
veleiro à deriva, pelo sagrado mar do conhecimento. As diversas divagações nos
levaram ao ponto em que Cacheado nos
questionou se já ocorrera-nos pensamentos semelhantes aos que constantemente se
lhe apegam à cabeça. - Manos, vocês nunca
imaginaram umas coisas loucas?- questionou-nos ele – que tipo de coisas? - indagou-lhe
Alah – Coisas do tipo: um passarinho com retrovisor. Ou um jumento com asas
rastejando igual serpente. Ou a terrível dúvida que martela-me a cuca: por que venta de cachorro é gelada? - respondeu. Ensinava-nos ele que os grandes
sábios e místicos dos impérios egípcio, babilônio e persa pensavam parecido,
engendrando animais fantásticos que compunham seus célebres mitos e sua sagrada
religião.
A mãe do Cacheado contou-nos, certa vez, que quando criança um jumento
mordeu-lhe a cabeça, escapando ele da morte por milagre. Talvez seja esse o
motivo da loucura que o acompanha como uma sombra.
Orate como ele é, decidiu escrever um
livro sobre as ideias que esvoaçam sobre sua cabeça e aquelas que, como um
abraço de mambira, se lhe grudam ao
crânio e teimam em não sair. Puxando alguns papéis da algibeira de sua camisa, comunicou-nos o que já escrevera e que interminável
parecia o livro devida a miríade de ideias que lhe apareciam e desapareciam a
esmo.
- Estou escrevendo um livro, nobres amigos, intitulado O QUE UM DOIDO PENSA? – comunicou-nos.
Bié
o indagou sobre o livro. Ao que respondeu:
- O livro fala de dois irmãos gêmeos, um
se chama Id e o outro Superego. Ele mescla a Psicanálise
Freudiana, as pesquisas mais avançadas da Física Quântica, o velho problema
filosófico da Essência e da Existência e a Teologia judaico-cristã.
– Como assim? Que coisa mais maluca! Explique-nos como podem se
juntar campos tão diferentes do conhecimento: psicanálise, física quântica,
filosofia e teologia - Inquiriu Xaguinha.
- Pois bem – respondeu Cacheado – Começarei falando-lhes um
pouco sobre as personagens e o enredo, então depois explicar-lhes-ei a sua relação
com as ciências supracitadas.
Todos fitaram-no fixamente atentando às incompreensíveis
explanações.
- Id
e Superego são irmãos que
brigavam entre si desde dentro do ventre de sua mãe, que pelas dores causadas pelas
constantes refregas entre os gêmeos, desejava constantemente a própria morte.
Os irmãos eram completamente diferentes um do outro, tanto fisicamente quanto em
suas personalidades. As únicas coisas que tinham em comum eram o ventre no qual
foram concebidos e o ódio que nutriam um pelo outro. O desejo funesto da mãe se
realizou logo, morreu de parto, pois cruenta fora a disputa pela primogenitura, e suas
exéquias foram as mais lôbregas de que se têm notícia.
Bem, depois de nascidas essas duas tão imigas entidades, não podiam elas coexistir, tamanha era a querela causada
por ambas que incomodaram até Minerva
e Marte, os deuses romanos da guerra.
Então as olímpicas divindades, em conluio deliberativo, outorgaram unanimemente
que os dois coexistiriam apenas em Essência
e somente um poderia vir à existência por vez, quando um emergisse à existência
o outro dela sairia e vice-versa, da mesma forma que acontece com a dualidade onda-partícula da Física Quântica.
A luz e os elétrons, por exemplo, apresentam dois comportamentos possíveis, ora
onda ora partícula, quando apresentam comportamento de onda perdem todas as características de partícula e quando apresentam comportamento de partícula perdem todas as características de onda. Na psicanálise
freudiana o Id e o Superego são potências que tentam puxar
o homem do seu centro, Ego, para que
não faça o que quer, mas o que lhe é impelido por tais forças contrárias tão
pungentes.
Tão extasiado se tornara em sua explanação,
imaginando que seu público o compreendia, que como se falasse a um auditório
atulhado de letrados e filósofos, continuou - Esses dois irmãos têm um sentido
simbólico universal, representam duas forças cósmicas e espirituais antagônicas
da natureza humana que travam constantemente procelosas escaramuças na liça do
coração humano, são o Id e o Superego da Psicologia Profunda; são o Yin (Matéria – lado Obscuro [Preto],
Ininteligível) e Yang (Forma – lado Claro [Branco], Inteligível) da tradição Hindu;
representam a renhida batalha entre a Carne
e o Espírito de que fala o
Apóstolo dos Gentios. Traduzem o que outrora falou Deus ao Diabo: “É a eterna contradição humana”. Tudo
isso tecido num condensado poético engenhoso, como dizia Nietzsche: “condensar numa palavra muitas significações”
e isso é a mais sublime arte poética do Simbolismo.
Então vós podeis questionar-me: “O que
tudo isso tem a ver com a Loucura?” É
simples, o ganhador do Prêmio Nobel Richard
Feynman disse que é impossível entender a Física Quântica, ao que provei
ser errada a sua afirmação. Demonstrei que não é apenas possível entendê-la,
mas utilizá-la como ferramenta auxiliar para uma chave explicativa da
psicologia humana. É possível sim
entender, bastando para isso a perspectiva de um Louco.
Todos os ouvintes se entreolharam
atônitos e disseram em uníssono:
- Não
entendi nada!!!
Disse o Padilha: - Esse Cacheado,
se não joga pedra na Lua, ajunta pra os doidos jogarem.
Ao que todos caíram na gargalhada.
Então, Cacheado possesso de raiva pela galhofa do amigo, rasgou os
manuscritos e atirou-os às chamas do fogareiro que estava aceso para o preparo
do jantar, citando retumbantemente uma máxima de Nietzsche:
“Mas,
para que falar, quando ninguém tem os meus ouvidos! Ainda é hora demasiado
matutina para mim”.
Mais perplexos ficaram os espectadores
com tão imprudente atitude do grande filósofo do Vale de Bênção. Não sabemos que rumo tomou sua filosofia da
personalidade humana ou se ele realmente acreditava no que escrevera. O que sabemos
de fato é que foram destruídos os registros escritos desse livro que intentava
explicar-nos o grande e insolúvel enigma da Humanidade: O QUE UM DOIDO PENSA?
Perdoem-me, caros leitores, por ter me
alongado um pouco nesta Crônica, não foi de deliberado intento. Culpadas foram
a loucura e a sabedoria do Cacheado que
são por demais vultosas que não couberam nas poucas linhas que o fuso da prudência
me permitira cosê-las.
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