CRÔNICAS
DO VALE
2
– Caçadas do Vale
Não sei se atraio deveras os folgazões,
mas é a estes que falo, pois são os únicos a dar-me atenção. Os preguiçosos e
os beletristas são deveras meus amigos, pois já dizia Tomás de Aquino: “Amizade é desejar as mesmas coisas e aborrecer
as mesmas coisas”, desejamos o deleite das boas leituras e esquivamo-nos aos
serviços. Esta Crônica não contém palavras empoladas nem pomposas, mas se
gostas de estórias de caçada aqui estão algumas verídicas histórias que
aconteceram nessa maravilhosa terra chamada Vale
de Bênção.
Por ser um distante interior, o Vale de Bênção forjou experimentados
caçadores, os irmãos: Pierre,
autointitulado “o melhor caçador da região”; Padilha, o adestrador de cães e domador de feras brabas e serpentes
peçonhentas; e Bié, o temperante
bonachão. O irmão menor, Sarraceno,
demorou-se a imergir nas aventuras venatórias, devido a sua tenra idade e
atração intrínseca para desventuras, como no caso da bomba, episódio este que
deu origem ao seu famigerado epíteto de homem-bomba,
mas quando já estava maiorzinho, Dona
Mônica permitiu-lhe que se aventurasse à arte cinegética, sempre à sombra
dos irmãos mais velhos.
Diversas vezes saiu Pierre para caçadas noturnas unicamente com seu fiel companheiro Spike, um facão amolado e uma
lanterninha, tendo por companheiras femininas a negra noite e o belo plenilúnio.
Presenciou ele muitos episódios fantásticos encerrados nas misteriosas noites da
floresta. Certa vez quando inquirido acerca de arranhões e rasgões em sua
roupa, contou-nos ele acerca da épica batalha que travou com um lobisomem no
meio da mata, fato este presenciado apenas pelo cachorro Spike, única e muda testemunha. Poucos, de início, davam crédito a
essas quiméricas estórias, mas o grande e orate filósofo Cacheado, com sua imensa sabedoria mergulhada em doses maciças de
insanidade, para defender a honra do amigo, defende o fenômeno da Licantropia como verídico e cita o grande filósofo e místico René Guénon que comprova a existência de
lobisomens: são estes homens dotados de habilidades lupinas, como audição e
olfato apurados e força física sobre-humana. Nunca atestaremos, com certeza apodítica,
a veracidade das aventuras de Pierre,
resta-nos apenas crer em seus mirabolantes relatos.
Um dia estava Sarraceno, madraço que é, jogando GTA na sala e quando olhou pra
baixo avistou um tatu que o encarava, viu o bicho mexer as orelhas e deu um
pulo, pois tamanho foi-lhe o sobressalto que emergindo abruptamente de sua
letargia, gritou: “Pierre!!! Tem um tatu
em casa!!!”. Pierre, ao ouvir o
sinal, rolou da cama em que estava deitado e caindo no chão chegou à sala tão
rápido quanto um relâmpago após ter derrubado tudo dentro do quarto em sua azafamada
correria. Perseguiram o bicho até o capturarem quando se enganchou na cerca de
arame. Um saboroso e anafado frito foi concebido àquela noite na qual todos se
refestelaram. Fato inédito este, na história das caçadas: dois homens que
pegaram um tatu em casa.
Por fim, a excêntrica e malograda caçada
às avessas ocorrida com nosso nobre e hético amigo Padilha. Estava ele no carnaubal, com sua faquinha à cintura,
tirando palha e pensando no valente pastor Davi que matara um urso e um leão
protegendo o rebanho de ovelhas do pai, absorto se encontrava na história do
grande Rei de Israel quando ouviu os latidos do Spike, então foi ele saber o que acontecera e avistou o cão latindo
contra uma onça que estava dentro de uma grota. Afobado estava o cachorro, até o
momento em que o felino deu um urro medonho e o Spike disparou na carreira acompanhado pelo Padilha, assemelhando-se, ambos, a duas flechas cortando o vento.
Nesse ínterim, estava Brabâncio, enleado
numas ramas, todo barafustado e esbravejando: “Me espera!!! Vocês são novos. Eu já tô velho”. Até hoje Padilha jura pelos céus que estava
correndo atrás do Spike para
acalmá-lo apenas e que Brabâncio,
diferente dele, estava morrendo de medo da onça. Esse foi o dia em que uma onça
caçou um homem e um cachorro e deixou outro envencilhado e inerme contra a
felina fera.
Aventuras mais nos esperam nas próximas
Crônicas, como as caçadas dos cachorros, o dia em que todos os varões do Vale ficaram pelados por conta de uma
malograda promessa de reveillon e o relato do estranho livro do Cacheado.
Muito bom.
ResponderEliminarMuito obrigado.
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